QUASE PERFEITO
Há um vilarejo quase perfeito em minha imaginação. Por sobre o rio que o banha estende-se uma bela ponte em arcos . É uma velha ponte com sólidas pedras entre as quais florescem , aqui e ali , florzinhas amarelas
brotadas junto aos juncos teimosos que
espiam a vida pelas frestas da antiga construção. Ao longo da ponte , bancos de
pedra se enfileiram .É dali que costumo , tomando meu chimarrão , encantar-me
com tais desimportâncias.
Pessoas que por ali passam em direção ao centro não se
encaixam na paisagem , seus olhares parecem
perdidos ao longe , distantes da beleza que os cerca.
Na rua à direita uma
velha padaria ainda produz os doces conventuais com gosto de história antiga .Delícias que
cabem perfeitamente no contexto do vilarejo
,adicionando paladar à belezaria que inunda meu olhar. Comparo o amarelo das pequenas flores da ponte com o
ouro dos doces conventuais à base de gemas de ovos.
No fim do inverno as
arvorezitas que rodeiam a pequena praça
parecem aqueles cabides de pé( -
porta-chapéus -) pois que só os
troncos estão vivos , as folhas
adormeceram no chão .E eu me pego sonhando que em cada extremidade estão suspensos
coloridos chapéus de palhaços.
Foi nesse cenário que viveram as irmãs Toscano.
MARIENA e DAMIANA
nasceram com a diferença de quase 2 anos , mas foram companheiras
inseparáveis durante a infância .Na
escola , embora em turmas diferentes
,participavam das mesmas brincadeiras e
quando havia aniversário de algum coleguinha , não importava de qual
turma , as duas eram convidadas
.Gostavam das mesmas coisas e os pais
esforçavam-se para não estabeleceram comparações.
Foi na adolescência que começaram a enveredar por diferentes
rumos . Mariena adorava dançar , Damiana
era louca por livros. Nas tardes
domingueiras uma ia ao cinema ver bons filmes , a outra
ia às reuniões dançantes tão em
voga naqueles tempos.
Quando começaram a pensar em namorar aconteceu o que ninguém
previra : as duas irmãs sonhavam com o
mesmo rapaz , ainda que fosse isso
segredo em seus coraçõezinhos e pensamentos. Mariena
imaginava-se valsando ; Damiana ,
no cinema ,comendo pipoca de mãos dadas. Assim construíram, secretamente ,diferentes histórias de amor
com um mesmo príncipe encantado.
Tudo aconteceu repentinamente . As irmãs cruzaram seus olhares apaixonados e
souberam o que cada uma escondia. Apenas
encaram-se com ódio .No dia seguinte o livro preferido de DAMIANA
apareceu boiando nas águas deste rio , e
o vestido novo de MARIENA jogado sobre a cama
com um corte que ia do decote à cintura , quase arrancando a manga
direita.
Deste então nunca mais se falaram , terminando seus dias
solitariamente : uma com sua biblioteca
íntima de histórias vividas e a outra ouvindo as músicas que um dia
dançara e que pelo desgaste do tempo
hoje já não o fazia.
*DE VOLTA AO
CENÁRIO
Estou terminando o chimarrão quando o velho senhor
se aproxima .Cumprimentos , licença para sentar-se .olhar significativo para a
cuia que tenho nas mãos... Ofereço-lhe o
mate que ele aceita prontamente...
Inicia-se a conversa fraterna e ele acaba desabafando ...
Um dia fui jovem aqui nesta mesma cidade. Amei e fui amado .entretanto não fui amado por
quem amei .A mulher que escolhi para ser minha companheira abandonou-me por
simples capricho . Desdenhei das mulheres que me amaram porque me julgava superior a elas.Brinquei com seus sentimentos.
Hoje , na minha solidão ,sempre que venho a este lugar imagino que passará por
aqui aquela menina de vestido novo que me olhava de relance nas festas
da turma ou que um livro passará
boiando por baixo desta ponte onde
estamos sentados. Nossa memória nos prega peças , trazendo lembranças
significativas .apenas lembranças...
O velho senhor agradece e se retira. Eu
olho para este lugar que julgo quase
perfeito e quando volto a olhar para o velho que se afasta , uma surpresa: ele
não vai sozinho ,duas jovens o
acompanham. Uma delas carrega um livro embaixo do braço e a outra vai
saltitante em seu novo vestido...