quarta-feira, 28 de novembro de 2007

ESCOLA E VIDA

Da sacada , do alto de um edifício da Lima e Silva , observo a algaravia do recreio da Escola Renascença. Ali estudam crianças diferentes , muito ternas.
Uma delas se destaca: calção azul de mar ,camiseta branca de paz, trancinhas de veludo...
Eu a vejo sentada no alto do escorregador , pronta para o deleite de um deslizar.
Há , porém, uma peculiaridade em sua brincadeira:ela não subiu pela escadinha como fizeram as outras crianças. Subiu com muito esforço pela rampa de escorregar .
A dificuldade da escalada deve tornar mais prazerosa a descida . Em sua fisionomia infantil vejo a alegria da vitória ,a beleza ingênua de uma descoberta ,uma fartura de risos.
E há ,na cena que ela vive,uma simbologia universal: o homem se realiza quando supera desafios.
Escalar a superfície de uma rampa deslizante equivale a transitar no mundo caótico dos nossos dias.
Quem consegue viver com dignidade sentirá ,certamente, a sensação deliciosa de escorregar para a verdade de si mesmo.

terça-feira, 27 de novembro de 2007

CENA NOTURNA

Se o Velho Menestrel
na noite estrelada
cessar seu cantar


A lua tranqüila
virá espiar de perto
o sossego da vila

E surpreedendo a noiva
cismar nua ao léu
cobrir-lhe-á com véu

Para que permaneça
até o branco ritual
pura e virginal.

domingo, 25 de novembro de 2007

O AMOR RESTAURADO

O pessoal do Coral da Igreja Matriz descia a escada quando deparou-se com o corpo do ARTISTA(era assim que eles o chamavam) caído ao solo.

Realizados todos os procedimentos de emergência , a morte foi constatada.A população acorreu aos serviços fúnebres e muitos comentavam que o homem já andava apresentando um comportamento estranho.Talvez fosse o estresse , o fantasma dos últimos tempos.

Ele estava naquela cidade há alguns meses e pouco se sabia dos seus hábitos. .Nos últimos dias dera para deixar o trabalho e conversar sozinho no banco da igreja.

...........

No entanto sua vida solitária não havia sido sempre assim.Quando jovem tivera fama de grande desportista e ladrão de corações .Muitas moças haviam suspirado´por ele .Entre elas , Nicéia, uma linda menina tímida e de poucas palavras .Eles se conheceram no colégio.
Naquela época Josué era o garoto mais requisitado da escola , com medalhas de ouro conquistadas nas quadras da região.
Ela nutria por ele verdadeira adoração , mas o rapazinho tão envolvido estava em suas competições que pouco valorizava os olhares apaixonados que Nicéia emitia. Ele até sentia-se acariciado por aquele olhar , mas prosseguia em busca do sucesso sem deter-se nos sentimentos.

Deixaram de ver-se quando o Major Reinaldo , pai de Nicéia ,foi transferido para a Amazônia. Era o ano de 1965.

O destino de Josué , porém, deu em sua vida uma guinada de 360 graus.Dedicado à arte , seu nome aparecia entre os maiores conhecedores de escultura do mundo e "expert" em restauração de obras sacras.
No final do século , meados de 1998, teve seu concurso requisitado para a completa restauração de uma histórica igreja da Bahia. Já vivia no exterior há 11 anos, mas retornou ao país para a realização da obra.
Adrede preparados ,os andaimes e toda a estrutura de segurança aguardavam pela presença do renomado artista , que , tão logo chegou à cidade , iniciou a tarefa de renovação das esculturas desgastadas pelo tempo.O trabalho diário era sonorizado pelo ensaio do coral ,cuja música se evolava pelo ambiente.
À medida que trabalhava o homem deixava-se envolver pelos sons que pareciam celestiais.
Ao final da quarta semana Josué notou que uma mulher sentada no terceiro banco olhava fixamente para ele e sorria de forma encantadora.
Como que hipnotizado dirigiu-se à ela. E teve uma surpresa.
_ Não é possível!
_ Você é a Nicéia , a filha do Major?
_Sim , respondeu a mulher num tom de voz que soava musical.

Deve ser porque o coral está executando a Ave-Maria , pensou Josué.

Conversaram por 20 minutos , recordando a juventude e depois ela retirou-se , deixando um halo de encantamento que envolveu totalmente o lugar.Mas voltaria , foi a promessa que fez ao despedir-se.

A visita tornou-se diária e os colóquios cada vez mais entrecortados por pequenos gestos que falavam aos corações.
Foi assim que ela contou que estivera noiva por imposição do Major , mas não chegara ao altar.
Havia sido salva por intercessão da Virgem Maria , a quem recorrera para livrar-se do compromisso. Era uma fascinante história que ela contaria em outra ocasião.
Josué intrigava-se com as atitudes um tanto evasivas da amada e uma espécie de diáfana proteção que ela parecia suscitar.
À noite, sozinho em casa perguntava-se: será coisa do destino?Há algo estranho .Nicéia parece esconder um segredo. O certo é que me apaixonei...

Resolveu telefonar para um antigo colega de escola, cuja família sempre fora muito ligada á do Major Reinaldo.
Julião atendeu com exclamações de alegria e saudade.
Questionado sobre os antigos colegas , relatou que Nicéia havia falecido tragicamente alguns dias antes do casamento em dezembro de 1979.
_ Não pode ser ! ouviu de Josué.
_ É verdade . Compareci à missa de sétimo dia, representando minha família.
Falou mais alguma coisa que Josué não entendeu direito e despediu-se do amigo que parecia estupefato.

No dia seguinte a visita aconteceu religiosamente no horário.O artista , apreensivo
e desnorteado recebeu , então, as explicações da mulher amada.
Sim, ela contaria toda a verdade:
Na viagem de ida para a cidade onde se realizaria o matrimônio contra sua vontade , mas em obediência ao pai ,acontecera um acidente inexplicável. Enquanto populares socorriam seu noivo , preso entre as ferragens , ela se afastara do local conduzida numa linda carruagem branca.
_Nunca esqueceria aquele momento!

Boquiaberto , Josué não conseguiu proferir uma palavra E viu-a desvanecer-selentamente ao seu lado.
Aquele dia seria o penúltimo do trabalho em realização. Já estava tudo pronto , com exceção de mínimos retoques na imagem da Virgem.
Durante a noite quase não dormiu. Além do espanto , havia uma leve expectativa que o homem não sabia definir. Pela manhã já se decidira por deixar a cidade assim que entregasse `a comunidade a obra restaurada.E já sentia uma pontinha de saudade do que ali vivera.


Eram dez horas. O coral cantava a Ave-Maria mais uma vez. Os olhos da imagem haviam ficado perfeitos .Era hora de afastar-se para observar o resultado de sua arte.
Ao tomar alguma distância do altar ele viu a porta da igreja abrir-se e por ela surgir Nicéia.
Estava linda em seu vestido de noiva!E sorria ternamente.
Josué sentiu uma dor lancinante no peito e cambaleou , indo cair amparado pelos braços da noiva que lhe sussurrava:
_Vem comigo. Eu aguardava este momento desde o nosso reenconto.


Naquele instante o organista , no mezanino, iniciava a execução da SERENATA , de Schubert.

sábado, 24 de novembro de 2007

ESSE É O CAMINHO

Identifique pela emoção
o que o faz feliz,
o que o faz sofrer.

Convença-se de que só vale a pena
pensar com o coração
e com a mente sentir.

Na união do lúcido intelecto
com a compaixão do puro sentimento,
mire a conseqüência- o seu porvir.

A seguir elimine o que é tortuoso
e busque resoluto sua verdade.
Pois mente e coração ,se serenados,
são condutores à felicidade.

domingo, 18 de novembro de 2007

TODAS AS RESPOSTAS

"SABE AQUELA HISTÓRIA DE ...NO FUNDO , NO FUNDO EU SEMPRE SOUBE QUE ERA ASSIM? POIS É A MAIS PURA VERDADE"



No imenso mar dos porquês

voce nada até cansar.

Deixe a vida vir à tona

e irá se espantar

porque todas as respostas

estão num mesmo lugar.





Um lugar que é muito seu

e você finge não ver;

palavras que você ouve,

mas não quer admitir.

Verdades tão interiores

que você julga esconder,

Mas que brotam simplesmente

no seu jeito de viver.

PISANDO EM FLORES

Quem passasse pela calçada na ruazinha arborizada ,naquela manhã de domingo, obrigava-se a pisar no tapete de flores que o vento havia desenhado no chão.


A sensação que senti ali foi indescritível. "Pisar Em Flores" , decididamente é uma experiência que mexe com a gente.Passei a estabelecer analogias com "Pisar Em Ovos" . Quantas pessoas andam pela vida pisando em flores e outras , em ovos!


Acredito ser mais fácil para quem viveu esta última hipótese valorizar as situações simples , mas significativas : por outro lado , são raras as pessoas que desenvolvem uma capacidade de apreciar o belo da singeleza , tendo vivido em redomas de conforto e proteção.


Uma desssas pessoas que conheci chamava-se Rosine.



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Menina de classe média alta , era educada "pisando em flores" , mas dentro dos melhores princípios , capazes de desenvolver na criança saudáveis valores de solidariedade , responsabilidade , valor ao trabalho e amor ao próximo.

Morava numa linda casa de esquina gradeada de brancos arabescos e ajardinada com esmero. Era no balanço do jardim que ela brincava todas as manhãs , e dali observava a rua.Rosine era feliz e muito amada.



Aos quatro anos de idade , em um desses momentos de brincadeira , teve sua atenção despertada por um mulatinho que vendia jornais na esquina de sua casa e cujo refrão ela repetiu gritando :" Jornal do dia , informação e alegria..."



Após alguns dias de mútua observação o menino chegou-se às grades e Rosine sorriu-lhe largamente.Iniciava-se aí uma amizade que floresceu por dois anos.

Todas as manhãs ele fazia uma parada de meia hora junto às grades e recebia a fruta que Rosine lhe oferecia. Passaram , então,a fazerem juntos o lanche das dez:uma fruta sempre variada ,acompanhada de deliciosa conversa e brincadeiras de "o que é ? o que é?

Nesses dois anos de convivência o menino deixou-se conhecer apenas pelo apelido NICO. Tinha vergonha de dizer seu verdadeiro nome.



Foi um período mágico que terminou quando aquela família mudou-se para o Canadá.



Nico continuou ali mesmo , vendendo seus jornais e estudando. Era exímio na escrita e em suas redações criativas havia sempre uma personagem especial chamada Rosine.



Os anos se passaram e aquela amizade recolheu-se às lembranças.

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A Doutora Rosine , no hospital que dirigia , mantinha-se uma pessoa de hábitos simples e humanitários , tendo como referências básicas o sentido do dever e a espiritualidade.



Numa véspera de Natal , de férias em Nova Iorque , a Doutora que entre outras coisas estava sempre atenta às coincidências , teve seu olhar atraído por uma vitrina de livraria onde se anunciava o sucesso do momento e a presença ali de famoso escritor e jornalista . Ao ver a capa do livro , um mosaico artisticamente pintado que apresentava recortes de manchetes de jornais , flores e frutas ,Rosine sentiu-se "chamada" e entrou na livraria.

Comprou um exemplar e olhando a foto do autor teve a estranha sensação de conhecê-lo.NICODEMUS DO NASCIMENTO era um nome que não lhe trazia nada à memória , mas falava-lhe ao coração.

Passou à sala de autógrafos e deparou-se com um elegante homem de olhar cativante e uma bem cuidada pele da cor de amendoim torrado. Impelida por mãos invisíveis acercou-se do escritor que ao vê-la iluminou-se e sorria enquanto lavrava a dedicatória com serena caligrafia:



"À menina das frutas que esperei reencontrar todos estes anos". NICO

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Foi a continuidade de uma história começada na infância e ainda hoje sendo escrita por duas pessoas excepcionais que , embora tendo trilhado caminhos diferentes (uma pisando em flores , outra, em ovos)chegaram a um lugar comum onde o espírito iluminado pelo amor sempre vence.

terça-feira, 13 de novembro de 2007

PAGANDO-SE

Assistindo a um programa de televisão ,espantei-me com a grandiloqüência de uma simples afirmação usada pela consultora financeira entrevistada.
_ EM PRIMEIRO LUGAR PAGUE A SI MESMA , dizia ela , referindo-se aos compromissos mensais que assumimos.
Que grande sacada!É isso mesmo. Precisamos pensar em nós , e com prioridade ;não deixando para o final a parte que nos toca. Afinal se não nos valorizamos , quem o fará?

Não quero dizer com isso que os outros devam ser esquecidos , mas que obedecendo a essa escala ,estaremos nos fortalecendo para atuarmos com maior segurança e eficácia em todas as ocasiões .E quem ganha com essa atitude são todos que conosco convivem , porque nossa poupança de auto-estima alicerçará qualquer "tranco" mais forte que precisemos enfrentar ,ainda que em benefício de outros.
E tem mais:quando investimos em nós com disciplina e método enriquecemos , sobretudo, o espírito.
E ESSE GANHO É PARA SEMPRE.

segunda-feira, 12 de novembro de 2007

CRISTAIS

Sabe aquela comparação :COMO ELEFANTE EM LOJA DE CRISTAIS? Pois é isso mesmo.Em alguns relacionamentos nos colocamos diante do outro como se estivéssemos frente a uma prateleira de cristais, tal a sensação de cuidado extremo que nos domina.
Nossos interlocutores ,às vezes , parecem estar prestes a estilhaçarem-se se tocarmos naquele assunto ,fizermos aquela pergunta , lembrarmos aquela vez... É um sufoco!
Então descobrimos o quanto aquele cristal é precioso para nós ; afinal é raro como só as grandes amizades sabem ser.
Se é assim , deixa pra lá! Contorne-se a prateleira , jogue-se a bolsa no chão para evitar qualquer esbarrão,faça-se o possível e o impossível , mas deixe-se o cristalzinho incólume pois talvez ele contenha aquele espumante que dará um sabor diferente a nossa vida.
É preciso polir uma amizade como se faz com aquele valioso jogo de cristal que herdamos dos nossos avós.

domingo, 11 de novembro de 2007

METAMORFOSE

A toda perda há de seguir-se um ganho,
a cada noite há de seguir-se o dia,
mas você só verá essa verdade
se tiver fé, ternura e ousadia.

Não se deixe abater, não é o fim,
É apenas o meio do caminho.
Se pássaros escuros nos rodeiam
Não lhes sirvamos de adequado ninho.

Faça que voem as deseperanças
Para que conservar certos frangalhos?
Só resvala quem está caminhando.

Se a roupa transformou-se em retalhos
Faça deles bela tapeçaria.
Nunca diga : É o fim ;diga: Está mudando.

sexta-feira, 9 de novembro de 2007

EU QUERIA ENTENDER

EU QUERIA ENTENDER TUA CANÇÃO

MAS ME FALTA O BOM SENSO E A RAZÃO

QUE ESCLAREÇAM TEU JEITO DE DIZER

QUE ME MOSTREM TEU JEITO DE QUERER

QUE ACALMEM ESTA SOFREGUIDÃO

DE TE AMAR, DE TE OLHAR, DE TE SOFRER




EU QUERIA ENTENDER TUA CANÇÃO

DEFLORAR AS PALAVRAS

RASGAR TEU VENTRE

E ENCONTRAR O EMBRIÃO

DA TUA DOR.




EU QUERIA ENTENDER TUA CANÇÃO

RITMAR O TEU SOM

E ENCONTRAR NA HARMONIA

A SONORIDADE

DO TEU AMOR.



EU QUERIA ENTENDER TUA CANÇÃO......

quarta-feira, 7 de novembro de 2007

A REDE DA VIDA

A pequena propriedade rural da viúva Antônia já fora um dia próspera produtora de alimentos disputados pelos feirantes e comércio afim. Hoje servia apenas ao sustento das necessidades da casa onde ela morava com o casal de filhos ,os quais só apareciam no fim de semana ,quando deixavam a cidadezinha onde estudavam , vivendo com uma tia que gentilmente os acolhera.


Naquelas férias a jovem Mariana iria com a turma de concluintes do secundário realizar sua primeira viagem depois de muitos anos . A turma juntara dinheiro para passarem 10 dias numa pequena praia.A jovem levava uma quantia extra , presente da madrinha Dinorá , e parecia tomada de encantada expectativa.


Enquanto Mariana arrumava sua raquítica bagagem ,Antônia bombeava tudo com o pensamento distante.


Voltava uma década atrás.


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Quando a família decidiu que iria passar janeiro na praia nem imaginava a mudança que ocorreria em suas vidas nessa curta temporada.




Os pais que trabalhavam arduamente na lavoura ,plantando e colhendo sempre de olho no céu,vencendo estiagens e enxurradas, agora pretendiam aproveitar o merecido descanso à beira-mar.As crianças já se viam no meio da concharia e na areia. Imaginavam-se em gostosas brincadeiras na casa alugada com antecipação ,atendendo a dois requisitos básicos: uma rede em local aprazível e um pátio com grama verdinha onde pudessem brincar descalços.

O trajeto de ida foi realizado em estado de alerta pelos pequenos que ansiavam pela chegada. Isso só aconteceu à tardinha e foi um suplício infantil a espera pela manhã seguinte ,quando o mar se descortinaria à sua frente imenso e belo.

Iniciou-se assim um período de sol, vida, algazarra, descanso e comilança variada com muito peixe no almoço das 14 horas e sorvete ao fim do dia , entremeados com milho verde e "violinhas" fritas saboreadas sob o guarda- sol.

A família mudou seus hábitos e estreitou afetos.

O pai elegeu a rede como seu ponto de apoio. Dali observava a todos e repetia feliz:

-Esta é a vida que pedi a Deus!

Quando não estava no mar ,estava na rede.

E o tempo escorregava manso...

No décimo-sexto dia ao final da tarde a família decidiu dividir-se:papai iria caminhar na areia e as crianças iriam com mamãe ao "centrinho" onde tomariam sorvete e visitariam os camelôs. José ganhou um caminhão vermelho e Marianinha quis um quadro com conchinhas imitando o fundo do mar (trabalho de um artista local).

Voltaram à casa no início da noite , cheios de novidades para o papai. Ele ainda não havia chegado.

Às 21 horas continuavam aguardando . A imaginação viajava desde o ciúme da esposa até a expectativa dos filhos pela surpresa que o pai traria. Por volta da meia-noite a angústia já se instalara na pequena casa . Vizinhos acudiram , a polícia foi acionada e buscas se iniciaram.

Nenhuma notícia chegava.Era deseperador. Mil idéias passaram pela cabeça de Antônia e o silêncio foi estrangulando qualquer pensamento otimista.

No quarto dia o mar devolveu à praia um cordão de couro com uma semente em forma de meia-lua. Era aquele que o pai usava desde quando ganhara dos filhos no último natal.

E foi só. Nunca apareceu o corpo...

Naqueles dias ,porém, começou a repetir-se uma estranha cena : Marianinha, então com pouco mais de três anos, olhava para a rede , sorria e apontava dizendo:

_Olha o papai!

Outras vezes convidava:

_Vem brincar , papai!

O tecido quadriculado balançava e a menina persistia na conversa imaginária.

No dia do retorno para casa , os vizinhos, que haviam sido solidários o tempo todo,ainda ajudavam nos preparativos finais , quando viram estupefatos o balanço da rede e a menina chamando:

_Vamos , papai! Sem você eu não vou.

Num ímpeto o dono da casa desprendeu a rede e entregou-a à menina que se acomodou sorridente no banco traseiro do velho carro.

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A propriedade rural perdeu muito do seu antigo conforto , mas uma rede escurecida pelos anos permanece vazia no alpendre . E a viúva , às vezes ,se pergunta:

_Por que esta rede continua aqui?

Ela não tem uma resposta.

E aquele pintor , um artesão simpes da praia,nunca teve certeza se realmente viu ou se sonhou aquela cena. O certo é que retratou num pequeno quadro.

VÊNUS SORRIDENTE SAINDO DAS ONDAS,TRAZENDO NAS MÃOS UM CORDÃO DE COURO COM UMA SEMENTE EM FORMA DE MEIA-LUA.

Até hoje não conseguiu vender esse trabalho, mas pressente que um dia uma jovem turista se encantará com ele.

LEMBRANÇAS

EU ESTAVA TÃO SÓ!
PENSANDO NA VIDA...
LEMBREI DE VOCÊ.

VOCÊ ERA TÃO LINDA,
JOVIAL E TRIGUEIRA
MENINA ESTUDANTE
ESBELTA E FACEIRA.

ÁVIDA DE SONHOS
NA SUA CARÊNCIA
TINHA A FORMOSURA
QUE VEM DA INOCÊNCIA.

SEU TEMPO PASSOU
E VOCÊ, MENINA
ONDE ESTÁ AGORA?

TENTO REENCONTRÁ-LA,
BUSCO-A NO ESPELHO.
VOCÊ FOI EMBORA.

terça-feira, 6 de novembro de 2007

ROSAS

Da cadeira de balanço que ficava no patamar da entrada da casa via-se a chuva criadeira lavando o jardim. As plantas pareciam alertas.Bromélias,palmeiras,jasmins ,marias-sem-vergonha ,todas sorriam um verde vivo. Só a velha senhora não se sentia fortalecida pela magia que caía do céu em gotas. De repente as folhas de uma bromélia pareciam de ouro!O que seria?Parecia fogo. Outras folhas iniciaram aquele processo de luminosidade e isso aguçou os sentidos da mulher que tomada de vibração levantou-se devagarinho com medo de quebrar o encanto daquele momento e daquelas plantas vaga-lumes. Que espetáculo! folhas verdes em brasa!Lindo!


E tudo porque a lâmpada do poste começava a realizar sua rotineira tarefa de substituir a luz fugidia do sol que teimava em acompanhar o chuvisco.


_Será que isso acontecia sempre que chovia à tardinha?E porque razão ela não notara das outras vezes? Era preciso estar mais atenta aos mágicos espetáculos da natureza. O que a havia distanciado das belezas da vida?Em que instante perdera a capacidade de sonhar?


Quando menina encantava-se com as flores e os animais.


Houve uma época em que ela e a Gringuinha adoravam brincar de esconde-esconde no pomar e

depois sentarem no jardim para escolher as flores que enfeitariam os vasos da sala. Gringuinha era assim chamada por causa de seu cabelo loiro e as rosas eram as suas prediletas.



As famílias eram vizinhas e as meninas gozaram de um saudável companheirismo pontilhado de afetos e sorrisos até aquele dia. O dia em que tudo mudou.


Todos pareciam calados e tristes e sussurrando pelos cantos.


-Que aconteceu?


_Nada , menina.


_Vá vestir-se para visitar sua avó!


-Depressa , Juliana!





Ficou dois dias na casa da avó e retornou desejosa de rever Gringuinha . Mas ela estava viajando , foi o que lhe disseram.Que pena!


Quando entrava na cozinha certa tarde ouviu mamãe falando com a empregada:

_Ela não resistiu , morreu esta madrugada. Pobre criança!

As duas mulheres limparam furtivamente as lágrimas e mudaram de assunto ao vê-la.


De quem elas falavam? Ia perguntar,mas foi atraída pela buzina do carro de tia Zulma e ela trazia a prima Angélica. Ficaram uma semana de visita.

Após a partida das hóspedes, na hora da sesta de papai ,Juliana costumava sentar-se no jardim e naquele dia viu com alegria que Gringuinha voltara. Correu para a amiga e esta escondeu-se atrás do jasmineiro.Depois fugiu dando risadas.E assim ,por vários dias,brincaram de esconde-esconde enquanto os adultos dormiam.Mas a amiguinha estava diferente:corria,pulava,sorria e muito pouco falava. Juliana insistia:

_Vem ver a mamãe!

E Gringuinha não ia. Até o dia que , cansada da insistência da amiga , explicou:

-Não posso falar com tua mãe. Estou morta.

Juliana não gostou da brincadeira e retrucou:

_Assim não vale ,não brinco mais! E entrou em casa furiosa.

No dia seguinte Gringuinha só abanou para ela e desapareceu atrás da roseira.



À noite, quando foi deitar-se,Juliana viu uma linda rosa em cima da cama.Pegou o vasinho da sala e enfiou nele,colocando-o sobre o criado-mudo. Desse dia em diante, toda vez que Gringuinha se escondia atrás da roseira,uma rosa aparecia em seu quarto.

Naquele ano ela começou a freqüentar a escola e deixou de ir ao jardim no horário de sesta.Novas coleguinhas entraram em sua vida e ela esqueceu-se de Gringuinha.Esqueceu-se ,mas de vez em quando ainda recebia uma rosa.

Isso durou até quando? Juliana não sabia mais...



E agora tudo lhe voltava à lembrança. Levantou-se da cadeira de balanço e foi procurar aquele vasinho de sua infância que guardara na estante do sótão. Limpou-o e recolocou na mesinha de cabeceira.

Quem sabe , Gringuinha depositaria ali uma rosa?....

segunda-feira, 5 de novembro de 2007

A PRAÇA DOS LIVROS

Na Praça da Alfândega ,local onde se realiza a Feira do Livro , há dois poetas à beira de um caminho.

Que farão à sombra dos jacarandás floridos?

Certamente estarão poetizando.

Na prosa fraterna hão de falar docemente sobre a férrea tenacidade do itabirano ,as ruas de Porto Alegre onde jamais passarão,a Rua dos Cataventos ,os sapatos floridos....

Questionar-se-ão sobre este vasto mundo ,a natureza dos anjos sejam tortos ou Malaquias ,tentarão decifrar com os olhos da alma o claro enigma da vida...

Ali permanecerão "encantados" esses dois personagens ,alheios às bugigangas dos camelôs que quase nos impedem de transitar livremente no belo ambiente onde os Poetas foram eternizados pelas mãos amorosas de um grande artista e o reconhecimento de um povo de sulino cantar.





Mas...nestes dias nem eles estão livres do desamor que mina corações e mentes; desamor capaz de arrancar de suas mãos o tesouro precioso do livro que tanto amaram .



Quem rouba livro entende estas palavras? .

domingo, 4 de novembro de 2007

A LIÇÃO DO "OUTDOOR"

Nesta manhã,durante minha habitual caminhada, tive a atenção voltada para o grande anúncio de uma loja de móveis estilizados que mostrava um garotinho na ponta dos pés ,abrindo e remexendo uma gaveta. Imediatamente lembrei-me dos netos Júlia e Pedro que estão nessa fase.

Mas fui além....Refleti:por que as crianças, descobrindo o mundo, adoram abrir e mexer gavetas? E nós, adultos,preferimos organizá-las e trancá-las (por longo tempo às vezes)?

Falta-nos curiosidade ou sobra medo?

Se a curiosidade criativa continuase a manifestar-se por toda a vida, investigaríamos muito mais sobre nós mesmos.Aliás, é a curiosidade que impulsiona a Ciência às grandes descobertas.

O ser humano , seguindo essa lógica, saberia conter seu medo e abrir as gavetas onde se redescobriria , avançando na própria evolução pelo autoconhecimento.

E nem precisa ser um dia de chuva ou frio para realizarmos essa tarefa de organizar nossos "entulhos", basta o desejo de melhor conhecer-se.

sexta-feira, 2 de novembro de 2007

Quatro de novembro

Minha neta Júlia está completando 4 anos de idade.




Aquela não era uma simples sacada.Era um camarote para a visão de uma obra de arte criada pelo Grande Artista.
Por toda a extensão descortinava-se a paisagem de vales e montes. Mirando-se à esquerda via-se o rio que descia entre o verde, rumorejando em suas águas suaves carícias
À direita ,o ferro dos trilhos cortava e descia a encosta .Por ali , o trem corria velozmente quatro vezes ao dia,apitando com a força de um gigante de aço.
Era um espetáculo de sons e luzes o que se observava daquela sacada. Ali Júlia viu , pela primeira vez, o nascer do sol.Era uma privilegiada!Aquela bola de fogo surgia detrás da colina(Colinas é o nome da cidade),inundando o vale e o rio de sombras e luzes.
E a magia da vida era Júlia.O amor era Júlia .O futuro era Júlia.

VÃO-SE OS ANÉIS...

A casa grande aguardava o sinal de que o parto tivera êxito.Naquela família as crianças nasciam sob o olhar atento da parteira, uma negra velha que se dizia ter o poder de tirar a dor com as mãos.

Na sala de visitas, a matriarca esperava o chamado para conhecer mais um GOUVEIA DA SILVEIRA.Era costume mostrar-se o recém -nascido a pessoas capazes de transmitir no primeiro olhar a proteção e os augúrios que o conduziriam pela vida.O Dom do Primeiro Olhar era a certeza de bons fluidos.

Quando foram ouvidos os vagidos do nenê ,Dona Lenora levantou-se,postou o tricô sobre a mesinha e dirigiu-se ao quarto.

_É uma menina!E parece com a avó!Sorriu a preta velha.

_É uma Gouveia .E será uma exímia pianista como Tia Lilá, acrescentou a avó.

_Encantará o mundo com as mãos ,através da música.

Dirigiu seu bondoso olhar à menina e beijou a filha.



Estava lançada a sorte da pequena Isabelle.



Dona Lenora prometeu ,então, que seus preciosos anéis , verdadeiras filigranas de ouro e diamantes, adornariam ,um dia, os dedos daquela neta predestinada ao virtuosismo.


Aos oito anos começou a estudar piano com a melhor professora da cidade. Preferia olhar para o busto de Mozart que enfeitava a mesinha lateral, mas dedilhava obedientemente as teclas do imponente instrumento . Assim completou seis anos de estudos entre bemóis e sustenidos.
Às vezes descobria-se olhando as mãos e imaginando os anéis da avó a brilharem nos dedos bem torneados.


Na adolescência rebelou-se e deixou de comparecer às aulas,alegando dores nas mãos.Dizia ainda que não mais suportava repetir sem alma as mesmas melodias.


Os pais compreenderam , a avó, não.


Iniciou-se assim uma sucessão de desentendimentos entre as duas que culminaram quando a jovem optou por fazer vestibular para Artes Plásticas. Nessa época as duas famílias moravam em bairros distantes e as visitas eram esporádicas. Por ocasião das festas de fim de ano aconteceu que ao chegar em casa da filha,Dona Lenora surpreendeu Isabelle modelando peças de cerâmica.Ficou horrorizada com o que chamou de sujeira e tralhas e garantiu ao sair:


_ Essas mãos imundas não merecem meus anéis! Vou doá-los a uma obra social que se dedique a ensinar música a crianças .A música é que é arte de verdade!


E assim fez. Mas teve o cuidado de procurar a Instituição reconhecidamente idônea onde, por acaso, se abrigava uma netinha da velha parteira da estância.
Ao reconhecer a menina , mudou de idéia e resolveu entregar à ela as jóias. Na presença da Diretora da Casa ,recomendou que o pequeno tesouro só fosse usado em momento de grande necessidade ou de extrema alegria.


A notícia desse gesto espalhou-se na família, gerando os mais diversos comentários. Ninguém imaginou que aquilo já era o primeiro sinal da demência que por longos anos instalou-se na velha Senhora e exigiu dispendiosos cuidados dos parentes.



Quando da sua morte não teve o acompanhamentoa da neta que se achava em Paris , onde se exilara após a Revolução Redentora, pois seus ideais eram considerados subversivos.
Isabelle morava nos arredores da Cidade Luz .Na Europa continuou se aperfeiçoando nas Artes e chegou mesmo a ocupar uma cátedra em conceituada universidade.

Os salões de arte disputavam suas esculturas e ela criava raras peças de grande valor artístico.Tinham todas um emblemático detalhe:as figuras humanas , de formas perfeitas apresentavam mãos que se mostravam lindas ,mas terminavam em disformes "borrões" que em nada se pareciam a dedos.



Reconhecida internacionalmente, foi trazida à cidade natal onde o Prefeito, em nome dos conterrâneos entregou-lhe uma medalha e cantou loas à sua nobre arte.



Terminada a cerimônia ,Isabelle teve sua atenção despertada por um mulatinho com um embrulho pequeno e colorido.


_É para a Senhora. Foi minha mãe que mandou.


Entregou o presentinho e saiu correndo.


A artista abriu o pacotinho .Ele continha dois anéis e um bilhetinho.




"TENS UM DOM ESPECIAL :mãos que transformam material bruto em beleza.

Estes anéis são teus.Guardei-os como fiel depositária por mais de trinta anos.

Ass. Pretinha (a neta da parteira que atendeu tua mãe).

Dia de Finados

Minha saudade não tem lembranças.
Não tem voz,
Não tem sorriso,
Não tem gestos
Nem afagos.

Mnha saudade é um pequeno retrato de homem bonito com uma caneta no bolso do casaco.
É uma ENIGMÁTICA SAUDADE.

दिया