domingo, 18 de novembro de 2007

PISANDO EM FLORES

Quem passasse pela calçada na ruazinha arborizada ,naquela manhã de domingo, obrigava-se a pisar no tapete de flores que o vento havia desenhado no chão.


A sensação que senti ali foi indescritível. "Pisar Em Flores" , decididamente é uma experiência que mexe com a gente.Passei a estabelecer analogias com "Pisar Em Ovos" . Quantas pessoas andam pela vida pisando em flores e outras , em ovos!


Acredito ser mais fácil para quem viveu esta última hipótese valorizar as situações simples , mas significativas : por outro lado , são raras as pessoas que desenvolvem uma capacidade de apreciar o belo da singeleza , tendo vivido em redomas de conforto e proteção.


Uma desssas pessoas que conheci chamava-se Rosine.



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Menina de classe média alta , era educada "pisando em flores" , mas dentro dos melhores princípios , capazes de desenvolver na criança saudáveis valores de solidariedade , responsabilidade , valor ao trabalho e amor ao próximo.

Morava numa linda casa de esquina gradeada de brancos arabescos e ajardinada com esmero. Era no balanço do jardim que ela brincava todas as manhãs , e dali observava a rua.Rosine era feliz e muito amada.



Aos quatro anos de idade , em um desses momentos de brincadeira , teve sua atenção despertada por um mulatinho que vendia jornais na esquina de sua casa e cujo refrão ela repetiu gritando :" Jornal do dia , informação e alegria..."



Após alguns dias de mútua observação o menino chegou-se às grades e Rosine sorriu-lhe largamente.Iniciava-se aí uma amizade que floresceu por dois anos.

Todas as manhãs ele fazia uma parada de meia hora junto às grades e recebia a fruta que Rosine lhe oferecia. Passaram , então,a fazerem juntos o lanche das dez:uma fruta sempre variada ,acompanhada de deliciosa conversa e brincadeiras de "o que é ? o que é?

Nesses dois anos de convivência o menino deixou-se conhecer apenas pelo apelido NICO. Tinha vergonha de dizer seu verdadeiro nome.



Foi um período mágico que terminou quando aquela família mudou-se para o Canadá.



Nico continuou ali mesmo , vendendo seus jornais e estudando. Era exímio na escrita e em suas redações criativas havia sempre uma personagem especial chamada Rosine.



Os anos se passaram e aquela amizade recolheu-se às lembranças.

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A Doutora Rosine , no hospital que dirigia , mantinha-se uma pessoa de hábitos simples e humanitários , tendo como referências básicas o sentido do dever e a espiritualidade.



Numa véspera de Natal , de férias em Nova Iorque , a Doutora que entre outras coisas estava sempre atenta às coincidências , teve seu olhar atraído por uma vitrina de livraria onde se anunciava o sucesso do momento e a presença ali de famoso escritor e jornalista . Ao ver a capa do livro , um mosaico artisticamente pintado que apresentava recortes de manchetes de jornais , flores e frutas ,Rosine sentiu-se "chamada" e entrou na livraria.

Comprou um exemplar e olhando a foto do autor teve a estranha sensação de conhecê-lo.NICODEMUS DO NASCIMENTO era um nome que não lhe trazia nada à memória , mas falava-lhe ao coração.

Passou à sala de autógrafos e deparou-se com um elegante homem de olhar cativante e uma bem cuidada pele da cor de amendoim torrado. Impelida por mãos invisíveis acercou-se do escritor que ao vê-la iluminou-se e sorria enquanto lavrava a dedicatória com serena caligrafia:



"À menina das frutas que esperei reencontrar todos estes anos". NICO

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Foi a continuidade de uma história começada na infância e ainda hoje sendo escrita por duas pessoas excepcionais que , embora tendo trilhado caminhos diferentes (uma pisando em flores , outra, em ovos)chegaram a um lugar comum onde o espírito iluminado pelo amor sempre vence.

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