Naquelas férias a jovem Mariana iria com a turma de concluintes do secundário realizar sua primeira viagem depois de muitos anos . A turma juntara dinheiro para passarem 10 dias numa pequena praia.A jovem levava uma quantia extra , presente da madrinha Dinorá , e parecia tomada de encantada expectativa.
Enquanto Mariana arrumava sua raquítica bagagem ,Antônia bombeava tudo com o pensamento distante.
Voltava uma década atrás.
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Quando a família decidiu que iria passar janeiro na praia nem imaginava a mudança que ocorreria em suas vidas nessa curta temporada.
Os pais que trabalhavam arduamente na lavoura ,plantando e colhendo sempre de olho no céu,vencendo estiagens e enxurradas, agora pretendiam aproveitar o merecido descanso à beira-mar.As crianças já se viam no meio da concharia e na areia. Imaginavam-se em gostosas brincadeiras na casa alugada com antecipação ,atendendo a dois requisitos básicos: uma rede em local aprazível e um pátio com grama verdinha onde pudessem brincar descalços.
O trajeto de ida foi realizado em estado de alerta pelos pequenos que ansiavam pela chegada. Isso só aconteceu à tardinha e foi um suplício infantil a espera pela manhã seguinte ,quando o mar se descortinaria à sua frente imenso e belo.
Iniciou-se assim um período de sol, vida, algazarra, descanso e comilança variada com muito peixe no almoço das 14 horas e sorvete ao fim do dia , entremeados com milho verde e "violinhas" fritas saboreadas sob o guarda- sol.
A família mudou seus hábitos e estreitou afetos.
O pai elegeu a rede como seu ponto de apoio. Dali observava a todos e repetia feliz:
-Esta é a vida que pedi a Deus!
Quando não estava no mar ,estava na rede.
E o tempo escorregava manso...
No décimo-sexto dia ao final da tarde a família decidiu dividir-se:papai iria caminhar na areia e as crianças iriam com mamãe ao "centrinho" onde tomariam sorvete e visitariam os camelôs. José ganhou um caminhão vermelho e Marianinha quis um quadro com conchinhas imitando o fundo do mar (trabalho de um artista local).
Voltaram à casa no início da noite , cheios de novidades para o papai. Ele ainda não havia chegado.
Às 21 horas continuavam aguardando . A imaginação viajava desde o ciúme da esposa até a expectativa dos filhos pela surpresa que o pai traria. Por volta da meia-noite a angústia já se instalara na pequena casa . Vizinhos acudiram , a polícia foi acionada e buscas se iniciaram.
Nenhuma notícia chegava.Era deseperador. Mil idéias passaram pela cabeça de Antônia e o silêncio foi estrangulando qualquer pensamento otimista.
No quarto dia o mar devolveu à praia um cordão de couro com uma semente em forma de meia-lua. Era aquele que o pai usava desde quando ganhara dos filhos no último natal.
E foi só. Nunca apareceu o corpo...
Naqueles dias ,porém, começou a repetir-se uma estranha cena : Marianinha, então com pouco mais de três anos, olhava para a rede , sorria e apontava dizendo:
_Olha o papai!
Outras vezes convidava:
_Vem brincar , papai!
O tecido quadriculado balançava e a menina persistia na conversa imaginária.
No dia do retorno para casa , os vizinhos, que haviam sido solidários o tempo todo,ainda ajudavam nos preparativos finais , quando viram estupefatos o balanço da rede e a menina chamando:
_Vamos , papai! Sem você eu não vou.
Num ímpeto o dono da casa desprendeu a rede e entregou-a à menina que se acomodou sorridente no banco traseiro do velho carro.
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A propriedade rural perdeu muito do seu antigo conforto , mas uma rede escurecida pelos anos permanece vazia no alpendre . E a viúva , às vezes ,se pergunta:
_Por que esta rede continua aqui?
Ela não tem uma resposta.
E aquele pintor , um artesão simpes da praia,nunca teve certeza se realmente viu ou se sonhou aquela cena. O certo é que retratou num pequeno quadro.
VÊNUS SORRIDENTE SAINDO DAS ONDAS,TRAZENDO NAS MÃOS UM CORDÃO DE COURO COM UMA SEMENTE EM FORMA DE MEIA-LUA.
Até hoje não conseguiu vender esse trabalho, mas pressente que um dia uma jovem turista se encantará com ele.
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